CASAMENTO E VIRGINDADE NOS TEMPOS COLONIAIS
Hoje, o casamento na igreja precisa ter noiva de branco, mas
nem sempre foi assim. Todos sabem que o vestido branco significa a pureza da
noiva, sua virgindade. No Brasil colonial esta questão importava, apenas, para
as noivas de elite que além da virgindade, levavam como dote, terras e escravos
para o noivo. Nas grandes famílias patriarcais a honra da mulher era muito
prezada, pois garantia que o patrimônio não ficaria dividido entre filhos
legítimos e ilegítimos. Daí exigir-se a “honra imaculada” das mulheres. Era uma
certeza de que a noiva não tinha filhos bastardos e que toda a sua riqueza iria
só para os filhos que tivesse com o marido.
Entre as demais camadas da população, as coisas funcionavam
de outra maneira. Em sua maioria, homens e mulheres viviam juntos, amigados ou
amancebados, antes mesmo de casar. Viver junto antes do casamento equivalia, na
linguagem da época, aos chamados “desponsórios de futuro”, isto é, uma união
tendo em mente um futuro casamento. Porém, como não existiam anticoncepcionais
eficientes, acabavam tendo muitos filhos. Nem todos sobreviviam, pois as
condições de vida eram duras e a falta de higiene e as doenças matavam muitas
crianças antes de um ano de vida.
Para alguns homens, sobretudo os moradores de áreas rurais
pobres, engravidar a companheira era importante pois permitia avaliar se ela
lhe daria muitos filhos ou não. Como a maioria vivia nas roças e campos, os
filhos ajudavam na lavoura, pois, seus pais e mães não tinham condições de
comprar escravos. Se, eventualmente não se importavam com a virgindade, os
homens ligavam muito para a fidelidade da companheira. Quando se sentiam
traídos era comum ameaçar e espancar suas mulheres. Mas elas davam o troco.
Abandonadas, não hesitavam em tentar envenená-los ou pediam ajudam aos irmãos e
parentes para aplicar-lhes uma boa surra.
Pelas leis da Igreja os rapazes podiam casar-se aos quatorze
anos e as meninas aos doze. Mas esta não era a regra. A maior parte dos jovens
casavam-se aos 21 anos enquanto suas parceiras teriam por volta de vinte anos.
Na elite, ocorriam também casamentos de meninas com homens bem mais velhos. Às
vezes as esposas eram tão jovens, tendo, apenas completado 13 ou 14 anos, que o
casal tinham que esperar algum tempo para ter relações sexuais.
Não foram poucas as mulheres que se entregaram aos noivos,
esperando com isso casar mais rápido. Mas o tiro, às vezes, saía pela culatra:
grávidas, elas eram abandonadas. Vingativas e furiosas, elas iam se
queixar para o bispo. Vem daí, inclusive a expressão: “Vá queixar-se ao bispo! Havia
punições rigorosas para os homens que engravidassem as moças à força. Eles eram
obrigados a casar ou a indenizar a “virgindade perdida”. Casos inversos também
eram comuns: aproveitando-se de jovens ricos, moças pobres provocavam a gravidez
para arrancar-lhes uma boa soma de dinheiro que lhes permitisse, mais tarde,
casar com quem quisessem.
Namorava-se nas praças, nas praias, nas roças, nos terrenos
baldios e nos quintais das casas. O rapaz ficava embaixo da janela da moça
esperando que ela desse o sinal para o encontro. Esse tipo de namoro chamava-se
“de lampião ou de espeque” – pois o namorado ficava duro como um espeto
aguardando o aparecimento de sua amada. Também as igrejas eram visadas
para namorar. No meio de tanta gente, bem que dava para trocar uns beliscões e
umas pisadelas no pé da moça. Estes gestos tinham o mesmo efeito que o beijo de
hoje: deixavam os amantes mais apaixonados! A vantagem das igrejas é que elas
eram escuras, iluminadas apenas com a luz de velas, dando chance para namoros
mais avançados.
Como hoje, as juras de amor e o hábito de dar e receber
presentes faziam parte do namoro. O amado ou a amada era chamado de “meu bem da
minha alma”, “meu benzinho” ou “meu coração”. As cartas trocadas na época
entre os amantes, revelam que os casais se prometiam casamento como uma
apaixonada Maria que em 1751 escreveu a seu amado, dizendo-lhe: “Eu hei de
casar com você”! Eles ainda se prometiam “viver e morrer juntos”. Os
presentes iam de tecidos caros, que quase não existiam no Brasil, fitas de
veludo e chamalote até utensílios domésticos e frutas. Podiam ser corações de
ouro, brincos de coral, coifas de tecido, para os mais ricos. E laranjas e
palmitos entre os mais pobres. O importante era trocar a “dádiva amorosa”.
As moças que desejassem muito se casar, mas encontravam
dificuldades para tanto, costumavam rezar para os “santos casamenteiros” como
são Gonçalo e santo Antônio. Nos casos de decepção amorosa, por exemplo,
algumas moças mais desesperadas chegavam a esconder o Menino Jesus que o santo
traz nos braços, até que ele lhes restituísse o namorado fujão.
A Igreja católica não só permitia como defendia o direito
dos escravos de se casarem, inclusive com pessoas livres. Os senhores mais
ricos costumavam casar seus escravos no mesmo dia em que batizavam as crianças
nascidas no engenho. Assim, chamava-se um padre que realizava as duas
cerimônias e depois havia uma “função”. A função era uma festa ao som de
batuques, violas e atabaques. Comia-se muita rapadura e havia distribuição de
cachaça. Alguns escravos endividavam-se com seus senhores para poder oferecer
uma festa pelo casamento de seus filhos. Depois iam trabalhar dobrado para
pagar a dívida. A defesa do direito dos escravos de casar e levar uma vida
conjugal como qualquer pessoa era uma das prioridades da Igreja que colocava a
necessidade do casamento acima de tudo.
Entre os ciganos, moradores de cidades como o Rio de Janeiro
onde atuavam como comerciantes de escravos, os noivos após a cerimônia
religiosa, seguiam para a casa dos pais da noiva onde iam receber a benção. Aí,
a noiva recebia uma camisola coberta de bordados que lhe era cobrada no dia
seguinte. Ela tinha que exibir, pela manhã, as marcas de sangue comprovando sua
virgindade. Os convidados sentavam-se no jardim em esteiras em torno das
quais colocavam-se comes e bebes. Seguiam-se animadas danças ao som de palmas.
Sabe-se também que as pessoas tinham várias crenças em
relação ao dia do casamento. Não se devia casar em dia de Sant’ Ana pois a
noiva podia morrer de parto. Durante a manhã que antecedia o casamento a noiva
não podia ajudar na cozinha, matando e preparando animais e comida, nem
sair de casa, exceto para ir à igreja, sem olhar para trás no caminho. Ao
voltar para casa depois da cerimônia, o casal era recebido com foguetório e
cantos de alegria. Uma grande comilança encerrava as bodas. – Mary del
Priore (“A Família no Brasil Colonial”).
(Publicado em 30 de maio de 2014 por Marcia - História
do Brasil)
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